sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Manifesto Alvinegro #03: Quando o futebol deixa de existir


Um menino de 14 anos.
Uma criança.

Sem dormir há dias, de tanta alegria. A alegria irresistível desde o ano passado, quando seu time se classificou para a Libertadores da América e, desde então, ele e o pai começaram a fazer planos de como seria legal acompanhar no estádio o time dos seus corações. A ansiedade pela definição dos times que comporiam o grupo. De repente, aparece o Corinthians no meio do caminho, ao mesmo tempo em que se sentiram assustados por terem que enfrentar o atual campeão das Américas e do mundo, ficaram ainda mais eufóricos pensando: “Se queremos ser grandes, temos que encarar os grandes. Que venha o Corinthians!”
E, desde então, aquela ansiedade gostosa que só sente quem ama o futebol.
O menino foi para a escola com a camisa do seu clube, ligou para o primo que torce para o time rival tirando um sarro, dizendo que não poderia encontrá-lo na quarta, pois naquela noite o seu San Jose entraria em campo pela Libertadores. Coisa de time grande, ele disse para o primo que torce para o outro time, um qualquer que não se classificou.

Naquela semana a cidade só falou disso.
As rádios, os canais de TV, naquela semana o único assunto possível era o embate entre o modesto San Jose contra o poderoso e milionário Corinthians.

A cidade parou.
O país inteiro estava atento.

O coração do menino bateu apertado quando se aproximou do estádio, olhava com um sorriso que não cabia no rosto para o seu pai, também eufórico.
Viu a torcida de azul tomando as ruas, os espaços ao redor do estádio.

Não era qualquer time, era o seu San Jose, prestes a enfrentar o atual número 1 do mundo, prestes a se tornar – para ele – o maior do mundo também.
Aquele cheirinho de estádio, das comidas vendidas nos arredores, as bandeiras amarradas nas costas que enchem os torcedores de superpoderes, um batalhão de pessoas vestindo as suas camisas da sorte, aquelas que de jeito nenhum perdem jogos e, quando perdem, a culpa é do juiz, pois o seu time só perde quando você não está com ela.

Ele estava com ela, a sua camisa da sorte, aquela imbatível que faria a diferença para que seu time tivesse forças para enfrentar o poderoso Corinthians.
Arquibancadas lotadas, a torcida gastando suas cordas vocais, o estádio pulsando.

O time entra em campo, foguetes espocando no ar, é “La Tenebrosa”, como é conhecida a torcida, dando as boas vindas e enviando energia positiva para que seus onze Davis tenham força suficiente nos seus estilingues e derrubem os onze Golias de preto do outro lado do campo.
O menino está emocionado, aquele nozinho na garganta que todo mundo que frequenta arquibancadas já sentiu alguma vez na vida. Olha outra vez para o pai, essa noite vai ser nossa, ele diz.

O juiz apita, o coração dispara.
Ele se estica para poder enxergar o campo, tá todo mundo de pé, cantando, pulando, vibrando, jogando junto.

Mas não é a toa que os caras de preto são os maiores do mundo, não se passaram nem cinco minutos e eles já dominam o jogo, já criaram oportunidades.
Mas é o nosso San Jose, nós vamos conseguir, nós somos grandes também!

Uma bola na área, SAI, o menino grita para que seu grito ajude a afastar a bola da área. Não afastou, mas seu grito fez com que o primeiro errasse a bola, ele sabe, foi o seu grito que atrapalhou o cara de preto, mas tem outro ali no meio, um que a despeito dos onze guerreiros do San Jose, traz Guerrero também no nome.
Gol deles.

A torcida de preto pega fogo, gritam, calam os de azul e branco.
O menino olha para o pai como quem pergunta, vamos virar, né pai?

Mas o pai não pôde responder. A partir daquele momento o mundo calou.
Foi um segundo, uma faísca, um tiro e o futebol deixou de existir.

E, a partir daquele momento, nada mais teve importância.
Uma bola de fogo atravessa o olho para cegar o futebol, calar, ensurdecer, acabar.

Não existe mais camisa adversária, não existe mais a minha camisa.
Não existem mais Davis nem Golias, grandes nem pequenos.

A Copa, a despeito do seu nome, não liberta, mas prende para sempre o grito de gol.
O futebol deixa de existir.

Um menino de 14 anos.
Uma criança.

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